Ribá (o juro)

11-04-2009 17:29

Ao longo da história existiram várias formas de escravatura, sendo a mais antiga e conhecida a captura de pessoas que posteriormente eram vendidas em feiras organizadas para o efeito. Não obstante a sua

abolição no século XIX, as grandes potências que na altura já ocupavam nações inteiras, agravaram as formas de dominação, naquilo que se tornou conhecido por colonialismo, que na verdade, era também uma forma de escravatura.

 

Concluído o ciclo da descolonização, os países que no início da segunda metade do século passado inauguraram o ciclo de independências, bem como os que lhes seguiram, confrontam-se hoje com um sistema mais sofisticado na estratégia esclavagista, sistema esse que ameaça escravizar toda a Humanidade. A instituição de juros por organizações financeiras como o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, etc., coloca sob controlo económico destas, praticamente todos os países subdesenvolvidos e até mesmo aqueles que estão em vias de desenvolvimento.

 

Sob pretexto de ajuda externa, muitos países estão na iminência de verem usurpadas todas as suas riquezas minerais. Nessas nações, cada cidadão contribui directa ou indirectamente para pagar a dívida externa do seu país. Na maior parte dos países africanos, asiáticos e latino-americanos, as crianças nascem já endividadas.

 

 

A proibição da prática de ribá (juro / usura)

 

O sagrado Al-Qur’án diz:

“Ó crentes! Temei a ALLAH e deixai o que resta do Ribá, se sóis crentes. Se não o fizerdes, esperai a guerra da parte de ALLAH e de Seu Mensageiro. Se vos arrependerdes, tereis o vosso capital. Não prejudicareis ninguém para não ficardes prejudicados.” [Al-Qur’án 2:278-279]

 

Será que pode existir ameaça maior do que a declaração de guerra por parte de ALLAH? Ele não luta com armas; porém, a Sua ira é tão fulminante que não é possível travá-la. Os crescentes desastres naturais, doenças, insegurança, criminalidade, bancarrota, etc., são de entre alguns dos “mísseis” que repentinamente são disparados quando ALLAH nos declara guerra. A riqueza, propriedade e lucros ganhos através de juros, mesmo que aparentemente estejam a se multiplicar, serão eventualmente aniquilados por ALLAH, cedo ou tarde. Consta no Al-Qur’án: “ALLAH aniquila o Ribá e multiplica as recompensas da caridade.” [Al-Qur’án 2:276]

 

O poder da “mão oculta” na política internacional sempre se escondeu por detrás da chamada “ajuda económica”. Casos como o da Indonésia, Malásia e Africa do Sul são provas claras disso. O México e o Brasil estão ainda a pagar a pesada factura. O presidente da Venezuela anunciou que deseja assinar de imediato a saída formal do seu país do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. A Venezuela pagou todas as suas dívidas ao FMI, pouco depois de Hugo Chavez ser eleito Presidente em 1999. Chavez tem apelado ainda aos restantes países da América Latina para não procurarem auxílio do FMI, afirmando que a política de empréstimos daquela organização “perpetua a pobreza”. Angola também já pensa em fazer o mesmo, após uma conclusão de que o país consegue ser “menos pobre” ao se afastar da política de juros desses dois organismos internacionais. Segundo a maioria dos governos, a única forma de se controlar o deficit é elevar as taxas ou reduzir as despesas. Contudo, considerando que o deficit continua a crescer pelo simples facto de as quantias exorbitantes de juros serem adicionadas à divida original, a forma mais efectiva de reduzi-lo é atenuar as taxas de juro. Portanto, quando a taxa de juro baixa, o deficit também baixa.

 

O Ribá é o inverso de Zakát; desde a origem, projecto, qualidade e objectivo, ambos são hostis e diametralmente opostos. Os frutos que suportam e os efeitos que produzem, tanto para o indivíduo como para a sociedade, são também muito distintos. Enquanto o temor a ALLAH, a procura da Sua satisfação, a preocupação pela necessidade, sofrimento e bondade para com outros, a compaixão e a auto-recusa, são aspectos que formam a essência e o espírito de Zakát, todo o sistema de Ribá está baseado no desafio a ALLAH, na rudeza do coração, no egoísmo excessivo e na exploração desumana do próximo.

 

Por isso, ALLAH condena a usura de forma muito vigorosa; é mais enérgico na denúncia da usura do que na exaltação da caridade. Na abordagem da usura emprega o mesmo método empregue no caso da lascívia e outros pecados graves. A imagem repugnante do agiota desenhada pelo Al-Qur’án, é suficiente para encher o coração do muçulmano com um sentimento de repulsa e aversão:

“Os que devoram o Ribá, não se levantarão (no Dia da Ressurreição) dos seus túmulos senão como aquele que Shaitán enfureceu com a loucura. Isto porque disseram: “O Ribá é o mesmo que comércio”. Mas na verdade, ALLAH permitiu o comércio e proibiu o Ribá. Então, aquele a quem chegou a exortação do seu Senhor e se abstém do Ribá, a ele pertencerá o que se consumou, e sua questão será entregue a ALLAH. E os que voltarem ao Ribá, serão os companheiros do Fogo, onde permanecerão eternamente.” [Al-Qur’án 2:275]

“Ó crentes! Não exerçais a usura, dobrando e redobrando (o emprestado) e temei a ALLAH para que prospereis.” [Al-Qur’án 3:130]

 

O Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) declarou guerra à usura ou ao juro (Ribá em árabe) e contra aqueles que lidam com isso. Ele indicou os seus perigos para a sociedade, dizendo: “Quando a usura e a fornicação aparecem numa comunidade, as pessoas dessa comunidade ficam expostas ao castigo de ALLAH”. [Hákim]

 

Consta num outro Hadice: “Que a maldição de Deus caia sobre aquele que empresta dinheiro com juros, e sobre aquele que recebe, sobre aquele que redige o contrato (de empréstimo com juros), sobre as testemunhas dessa transacção e sobre aquele que não gasta em caridade”. [Ahmad]

Não só o Al-Qur’án, mas também a Bíblia proíbe a usura:

Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele como um usuário, não lhe imporás usura.” [Êxodo 22:25]

 

O porquê da proibição

 

No Islão, a proibição rigorosa do Ribá (juro e usura) resulta da preocupação profunda pelo bem estar moral, social e económico da Humanidade. É por essa razão que a sua eliminação é um dos objectivos principais e uma obrigação constitucional de qualquer Estado Islâmico. Os Ulamá explicam com bons argumentos sobre a prudência desta proibição. Imám Ar-Razi, no seu Tafssir (interpretação) do Al-Qur’án, mencionou os seguintes quatro pontos:

  1. Receber juros implica apropriar-se da propriedade de outra pessoa sem lhe dar algo em troca, porque quem empresta um Dirham (nome de moeda) e em troca recebe dois, está a tomar um Dirham extra, sem nada em troca.
  2. Depender do Ribá não só impede as pessoas de trabalharem a fim de ganhar dinheiro, mas ninguém se preocupará em esforçar-se em investir, ou arriscar seu dinheiro no negócio ou na indústria.
  3. Permitir que alguém receba o Ribá, desencorajará as pessoas de se beneficiarem mutuamente, assim como é exigido pelo Islão.
  4. A tendência é de ficar mais rico aquele que emprestou, e ficar ainda mais pobre aquele que pediu emprestado.

 

Quão necessária e urgente é esta mensagem islâmica, num mundo em que as dívidas ameaçam destruir e aniquilar as civilizações, onde a guerra aberta é de forma crescente, onde a aflição e sofrimento no terceiro mundo surgem como consequência da dívida?

 

 

Definição e significado de ribá

 

Etimologicamente, segundo o “Lissánul Arab” de Ibn Manzur Al-Afriqui e “Tahzib” de Abu Mansur Al-Azhari, Ribá é o excesso ou excedente que resulta (ou provém) da dívida ou o ganho gerado disso.

Segundo o “Tájul Aruss Min Jawáhirul Qámuss” de Muhammad Murtadá Az-Zubadi, a definição de Ribá é “Kullu Qardin Yu’khazu Bihi Akssara Min’hu”, que significa, todo o pagamento excessivo feito duma dívida contraída.

 

No “Mufradátul-Qur’án” de Rághib Al-Asfaháni, encontramos uma definição simples de Ribá: “War-Ribá, az-Ziyádatu Alá Ru’ussil Mál”, que significa, o pagamento excessivo sobre o capital principal.

Portanto, de vários significados interpretados pelos peritos da língua árabe, chegamos à conclusão comum de que Ribá significa: aumentar ou receber mais do que aquilo que se deu; vantagem que uma parte (indivíduo ou instituição) obtém à custa da outra numa determinada transacção; prática de juros e

usuras ou algo semelhante.

 

É o que acontece nos empréstimos, em que a pessoa ou instituição recebe mais do que o valor que emprestou, tirando algum lucro disso. Existe distinção entre Ribá An-Nassiah, termo especificamente utilizado para ganhos obtidos no caso da demora do pagamento, e Ribá Al-Fadhl, que significa ganhos obtidos devido ao valor superior de algo recebido em relação àquilo que foi dado.

 

Segundo o dicionário Árabe - Inglês, compilado pelo Reverendo J. G. Hava e originalmente publicado em 1915 pela Catholic Press Beirut (Libano), “Ribá” significa usura ou ganho ilícito, e “Murabin” significa usurário ou agiota. O verbo “Raba Wal Murabin” significa emprestar a alguém com usura, praticar usura ou exceder na medida.

Definindo mais rigorosamente, Ribá será a quantia total de todas as cobranças excedentes, pagamentos explorativos e valores excessivos que uma parte (indivíduo ou instituição) ganha à custa da outra, quer seja em transacções pessoais, comerciais ou de qualquer outra natureza, sem qualquer qui pro quo. Portanto, para se identificar o Ribá em qualquer assunto ou transacção, é só verificar se existe esse excesso. Existem muitos Ulamá que definiram Ribá como usura e não juro. Nomes como Muhammad M. Pickthal, Muhammad Assad e Abdullah Yussuf Ali, que nas suas traduções dos versículos do Al-Qur’án, traduziram a palavra Ribá por usura, pois era um aspecto predominante relacionado a empréstimos em todas as sociedades primitivas.

 

Resumindo, a palavra “Ribá”, segundo o Shari’ah, abrange tanto o conceito de juros de natureza pessoal, i.é, sobre empréstimos adquiridos com finalidade de satisfazer necessidades pessoais, assim como de natureza comercial (usura).

No Islão, não existe diferença entre juro, usura e agiotagem; tudo isso faz parte do significado de Ribá. O mesmo acontece com os chamados juros excessivos ou superiores fixados pela Lei ou pelos costumes. Todos eles são considerados Harám, sem excepção, assim como se pôde constatar nos versículos e Hadices atrás mencionados. Portanto, esta palavra não tem uma tradução directa, pois tem um significado que engloba vários conceitos. O mesmo critério sucede com o significado de “Ziná”, que se aplica tanto quando se refere ao adultério (infidelidade conjugal) assim como à fornicação (coito ilegítimo). Perante o Shari’ah, não existe distinção entre estes dois conceitos, pois ambos se referem a práticas sexuais fora do casamento e, portanto, são considerados Harám.

 

Ribá no passado e no presente

 

É de salientar que a usura (juro comercial) também era praticada no tempo do Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele). Consta que na era da ignorância (época pré-islâmica), a tribo Banu Amr Bin Ámir cobrava juros à tribo Bani Al-Mughira e, com o ressurgimento do Islão, esta última tinha ainda uma quantia substancial de juros por pagar [vide Durre Manthur, sob a autoridade de Ibn Jabir, Vol. I, pág 266].

 

Esta narração menciona o negócio de usuras praticado na Arábia, entre essas duas tribos, como se ambas formassem uma sociedade anónima, em semelhança às que existem actualmente. Os indivíduos que pertenciam a uma dessas tribos, combinavam os seus recursos e empreendiam actividades comerciais como se de um grupo ou sociedade se tratasse. Imám Baghwi narra de Attá e Akrama (RTA), que um comerciante devia uma certa quantia de juros a Abbáss e a Ussman (RTA). Quando estes lhe exigiram o pagamento, o Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) instruiu-lhes a renunciar (abandonar) a quantia toda, em conformidade com os versículos relacionados à proibição de Ribá (juro e usura).

 

Abu Hurairah (que Allah esteja satisfeito com ele) narra que o Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) disse: “Certamente, chegará um tempo em que não haverá indivíduo algum que não consumirá o juro; e se alguém não o tiver consumido, na mesma, ele estará afectado com isso”. [Abu Dawud e Ibn Májah]

Neste Hadice, o Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) alertou-nos o facto de chegar uma altura em que a prática de juros se tornaria muito comum, e é exactamente o que está a acontecer agora. A questão é: qual é o tipo de juro mais comum na nossa era? Óbvio que a resposta encontrada será o juro comercial; neste, todos estão envolvidos e afecta directa ou indirectamente a todos, pois nada se pode fazer sem entrar no sistema bancário actual de juros. Os recursos financeiros de quase meio mundo estão depositados nos bancos, em que se está a render ou a pagar juros. Os capitalistas proeminentes também se encontram envolvidos em negócios de juros com os bancos.

 

Hoje em dia, o comércio bancário está organizado em tal escala que milhares de pessoas estão sendo empregadas nele. De certa forma, todos ficam afectados pelos males e efeitos nefastos que advêm dos juros. Aqueles que não estão envolvidos directamente, todavia, ficam afectados pela circulação da riqueza ganha através de juros. Toda esta situação reflecte na íntegra aquilo a que o Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) chamou de “efeito-remoto”; nem mesmo a pessoa mais piedosa pode proclamar que não está afectada pelos juros. Portanto, esta profecia estava mesmo relacionada com os juros comerciais (usura).

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