Como beneficiar o morto

11-04-2009 18:04

 

A questão de beneficiar os falecidos é algo natural. Geralmente os parentes e familiares do defunto, para além de manifestarem o seu pesar pela morte do ente querido, procuram dedicar-lhe algo para o sufrágio da sua alma.

 

Esta preocupação foi naturalmente manifestada pelos companheiros do Profeta Muhammad (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele), daí que encontramos nos Hadices (ditos do Profeta) indicações claras nesse contexto, uma vez que perante o Islão, para a validação e aceitação de qualquer acto, condiciona-se que o mesmo esteja recomendado pelo Shari’ah. Caso contrário, por mais que ele aparente ser bom, não terá qualquer mérito no Islão.

 

Entretanto, sabemos que por outro lado, baseando-se no conceito e objectivo de vida defendido pelo Islão, o bem estar no Ákhirah depende essencialmente da conduta que a pessoa adoptou em vida neste mundo.

Uma pessoa em vida deve praticar boas acções que se irão reflectir no seu posicionamento após a morte. Não se deve desperdiçar a vida na esperança de outros ficarem a enviar-lhe acções para o sufrágio da sua alma. O que os familiares, parentes e amigos dedicarem-lhe após a sua morte é uma fonte suplementar, que poderá ajudar-lhe a melhorar o seu grau e estatuto na vida do Além.

Contudo, não devemos somente basearmo-nos nisso. É importante que cada um pratique boas acções ainda em vida, pois ALLAH diz no Al- Qur’án:

“E que a cada um pertence somente o fruto do seu próprio esforço”. [Al-Qur’án 53:39]

 

E por se tratar de um assunto muito sensível, achamos oportuno abordá-lo á luz do Shari’ah com vista a adoptarem-se os métodos correctos nesta matéria.

O Profeta Muhammad (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) disse:

Quando o ser humano morre, cessam todas as suas acções, excepto em três casos:

- Sadaca Járiya: obras de utilidade pública, como por exemplo abertura de poços de água, construção de Massjides, Madrassas, hospitais, estradas, etc.;

- Ilm: conhecimento benéfico, como por exemplo, se ensinou a alguém algo de bom, se escreveu livros educativos, etc.;

- Filho piedoso: que faz Duá a seu favor”. [Musslim]

 

E numa outra narração consta: “De entre as boas acções que se vão juntar (beneficiar) ao crente após a sua morte são:

1. O Ilm (conhecimento) que ensinou e expandiu;

2. Um filho piedoso;

3. A herança em exemplares (cópias) do Al-Qur’án;

4. A construção de Massjids;

5. Uma estalagem para viajantes;

6. Um canal de água;

7. A caridade praticada durante a vida enquanto gozava de saúde”. [Ibn Májah e Ibn Khuzaima]

 

E consta que certo indivíduo perguntou ao Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele): “A minha mãe faleceu; se eu praticar caridade a seu favor pode beneficiar-lhe”? O Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) respondeu-lhe afirmativamente. [Al-Bukhari]

E numa narração semelhante relatado por Ahmad e An-Nassaí, o indivíduo perguntou qual seria a melhor caridade, pelo que o Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) respondeu: “Providenciar água”.

Jarir Bin Abdullah narra que o Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) disse: “Quem ensinar uma boa acção no Islão, terá a sua recompensa e será igualmente recompensado se outros vierem a praticar o mesmo (através dele), sem no entanto causar qualquer diminuição na recompensa dos seus praticantes”. [Musslim]

 

E num outro Hadice, certo homem perguntou ao Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele): “O meu pai faleceu e deixou riqueza mas não fez testamento, posso praticar caridade por ele”? O Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) respondeu: “Sim”. [Musslim]

 

Ibn Abbáss (que Allah esteja satisfeito com ele) narra: “Um homem veio ter com o Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) e disse: “Ó Profeta de Allah (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele), a minha mãe faleceu e o mês de jejum lhe era obrigatório. Deverei eu pagar isso a favor dela”? Ele respondeu: “Se existisse uma dívida dela, pagarias o mesmo para ela”? O homem disse: “Sim”. Então, Profeta de Allah (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) disse: “A dívida para com ALLAH também merece ser paga”. [Al-Bukhari e Musslim]

 

Ibn Abbáss (que Allah esteja satisfeito com ele) narra: “Uma mulher de Juhaina veio ter com o Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) e disse: ‘Minha mãe desejava fazer o Haj, porém não o fez e ela morreu. Poderei eu fazer o Haj para ela’? Ele respondeu: ‘Faça o Haj para ela, pois se existisse uma dívida da sua mãe, tu não irias liquidar por ela? Então praticai isso. ALLAH merece esse direito’”. [Al-Bukhari]

  

Abu Usaid (que Allah esteja satisfeito com ele) narra que uma pessoa foi ao encontro do Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) e disse: “Ó Profeta de Allah (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele), os meus pais ja faleceram. Qual é a melhor forma de os beneficiar”? O Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) disse: “Podes beneficiar-lhes de 4 formas:

1. Fazer Duá a favor deles;

2. Manter-te firme no conselho (testamento) que eles deram;

3. Respeitar e honrar os amigos dele;

4. Amar e manter as ligações com os familiares próximos dele.

 

Baseando-se nos Hadices mencionados, constatamos que existem várias acções recomendadas pelo Profeta Muhammad (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) que possam beneficar a pessoa falecida, nomeadamente:

 

1. O Duá

Deve-se fazer constantemente Duá para que ALLAH perdoe os falecidos, conceda-lhes paz e Jannah (Paraíso) e protege-lhes dos tormentos do Qabr (sepultura). ALLAH diz no Al-Qur’án: “E os que vieram depois deles dizem: Senhor nosso! Perdoa-nos e aos nossos irmãos que nos antecederam na fé, e não coloques nos nossos corações qualquer rancor contra os crentes. Na verdade, Tu és Clemente, Misericordioso.” [Al-Qur’án 59:10]

E o Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) disse: “E se orares pelo defunto, sejas devoto no Duá para eles”. E nos Duás recomendados menciona-se o seguinte: “Ó ALLAH! perdoa os nossos vivos e os nossos mortos”.

Queremos aqui sublinhar que segundo o Hadice, o Duá de um filho piedoso para os seus pais valer-lhes-á após a sua morte. Porém, para que isso aconteça é necessário que os pais se preocupem em proporcionar-lhes uma educação islâmica; caso contrário, pouco ou nada poder-se-á esperar de um filho.

 

2. A Caridade

O indivíduo deve procurar praticar dentro das suas capacidades uma caridade pública (obras sociais) que perdure por muito tempo, como por exemplo, a construção de escolas, Massjids, estradas, poços de água, etc.

Segundo o Islão, enquanto se fizer o uso dela, a pessoa receberá a recompensa mesmo após a sua morte. Os familiares também poderão construir e dedicar a obra a algum falecido. Sublinha-se aqui que de preferência, a obra deverá ser da melhor qualidade para que perdure o máximo possível.

 

3. O Conhecimento

O muçulmano deve ser um exemplo para a Humanidade; desse modo, outros irão inspirar boas qualidades ao depararem com a sua conduta, carácter e personalidade. É dever de cada muçulmano transmitir o conhecimento religioso aos outros. Assim, se o conhecimento por nós transmitido for praticado por outros, enquanto isso perdurar, ser-nos-á creditado recompensas mesmo após a nossa morte.

Cada um de nós deve ser um propagador do Islão, transmitindo aos outros os conhecimentos desta nossa religião. E isto abrange todos os meios de divulgação correctos do Dáwah, quer seja verbal, escrito ou outros.

 

4. Salát, Jejum e Haj

Foi referido nos Hadices que os familiares deverão se preocupar com os Saláts, Jejuns e Haj devidos que não foram efectuados pelo falecido. Os Hadices enfatizam o cumprimento dos mesmos comparando-os com a dívida deixada por alguém. Quanto ao Salát obrigatório não efectuado durante a vida, menciona-se igualmente o pagamento de um Fidya (equivalente a um Sadacatul-Fitr ou a uma refeição média) aos pobres para cada Salát, embora não hajam fontes sólidas que sustentem esta teoria.

Mesmo os que a defendem, sublinham “na esperança” de isso ser aceite. Porém, uma pessoa pode efectuar Saláts facultativos e dedicar a recompensa a algum falecido. No caso do Jejum obrigatório, depois de se apurar o número de jejuns não efectuados, dever-se-á também pagar por cada um deles um Fidya ao pobre. Contudo, a pessoa poderá jejuar facultativamente e dedicar a recompensa a algum falecido. Isso não para compensar os jejuns que eram obrigatórios durante a vida de alguém, mas como uma fonte complementar de recompensas para o falecido.

No caso de Haj, os familiares poderão delegar alguém financiando-lhe da herança deixada pelo falecido para o fazer em nome dele (Haj-e-Badal).

Recorda-se que isto só poderá ser realizado se tiver sido mencionado no testamento. Caso a pessoa em vida não tiver tido condições para tal, mas posteriormente se algum familiar quiser fazer Haj por ela já com a sua própria riqueza, poderá fazê-lo e dedicar-lhe a recompensa.

Importa aqui mencionar que o valor a ser alocado para o cumprimento do Haj e Saum (Jejum) não deverá exceder a 1/3 da herança, isto depois de pagas as eventuais dívidas deixadas pelo falecido.

 

5. Recitação do Al-Qur’án

Segundo Imám Sháfei e Ahmad Ibn Hambal não é permitido a recitação do Al-Qur’án para o sufrágio da alma de algum falecido. Porém, segundo o Imám Abu Hanifa, é permitida a recitação individual do Al-Qur’án e sua posterior dedicação (da recompensa) a algum falecido. Abdullah Ibn Umar (que Allah esteja satisfeito com ele) narra de que ouviu o Profeta (que a Paz e Bençãos de Deus estejam com ele) dizendo: “Quando um de vós morrer, não o retenham e apressam-no em direcção ao seu Qabr (campa) e que recitem junto à sua cabeça, os primeiros versículos do Surah Baqarah [Al-Qur’án 2:1- 5] e junto aos seus pés os últimos versículos do Surah Baqarah [Al-Qur’án 2:284-286]”. [Al-Baihaqui]

 

Consta que certa vez Abu Qalaba (que Allah esteja satisfeito com ele) sonhou que algumas campas estavam abertas e os seus ocupantes haviam saído, sentando-se à sua beira. Cada um deles tinha um prato luzido nas mãos. Entretanto, num deles, ele notou as mãos vazias e então perguntou-lhe o que se passava, pois não via luz nas suas mãos.

- “Esses aí têm filhos e amigos que lhes dedicam as suas boas acções e praticam Sadaqah a seu favor. A luz é o resultado daquilo que lhes foi enviado. Eu deixei um filho que não é piedoso, não faz Duá para mim e nem pratica Sadaqah a meu favor” – esclareceu aquele homem.

Quando acordou, Abu Qalaba (que Allah esteja satisfeito com ele) procurou pelo filho daquele homem a quem contou o que vira no seu sonho.

- “Estou arrependido de tudo e quero que sejas testemunha de que jamais voltarei a fazer o que fazia” – disse então aquele (filho do morto). A partir dali passou a levar uma vida regrada e já a fazer Sadaqah e Duá a favor do seu pai.

 

Passado algum tempo, Abu Qalaba (que Allah esteja satisfeito com ele) voltou a ter o mesmo sonho e pôde ver nas mãos daquele mesmo morto uma luz, mais brilhante que o sol e maior que a dos seus companheiros.

Aquele indivíduo dirigiu-se-lhe dizendo: - “ALLAH que te recompense por bem. Eu fui salvo da vergonha perante os meus companheiros”. Este é um exemplo de que o Duá e Sadaqah são uma necessidade para o surfrágio das almas dos nossos falecidos.

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